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quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Mentiras e internet


Entrar em sites de encontro, receber recados apaixonados no Orkut, flertar num bate-papo virtual: o que é traição e o que não é? Na era da internet, definir limites está cada vez mais difícil. Aqui, gente que se perdeu na rede e viu seu relacionamento ficar por um fio.
Sandra foi pega em flagrante pelo namorado quando conversava com outro homem no ICQ. Roberto entrou na caixa postal da namorada e descobriu que ela trocava e-mails com um rapaz que conheceu num site de encontros. Marta teve um ataque de ciúmes ao ver os recados que uma garota atrevida deixou para o seu namorado no Orkut. Histórias assim se repetem todos os dias. É a segunda vez que a internet se infiltra na teia das relações amorosas e provoca uma revolução. Há três anos, a rede começou a ser usada para juntar pessoas e promover casamentos. Agora, vira cenário de traições e rompimentos.
'A internet facilita os contatos românticos, porque você pode dar os primeiros passos sem sair de casa', diz o psicólogo Ailton Amélio, autor de 'O Mapa do Amor' (Ed. Gente). 'Também facilita a traição, já que tudo fica à distância de um toque. Pelo computador, tudo é mais fácil, mais protegido, porque ninguém precisa se identificar. E ainda por cima a pessoa pode usar a desculpa de que era só brincadeira.'
Leo fez um escândalo quando descobriu que a namorada Marina tinha se identificado como solteirana sua página do Orkut
Não é o caso de jogar o computador pela janela, dizem os especialistas. 'Quando as pessoas querem mesmo trair, não precisam desse instrumento', diz Luciana Ruffo, do Núcleo de Pesquisa em Psicologia e Informática da PUC-SP. 'É claro que a rede facilita, mas quem parte para o encontro real já tinha essa vontade antes de ligar o computador.' A psicóloga acredita que a discussão sobre internet e fidelidade é saudável. 'As pessoas estão sendo obrigadas a conversar sobre coisas que não eram discutidas, como traição. Fazer sexo virtual, entrar em site de encontro -o que pode ou não? Os valores estão sendo questionados.'
Cerca de 4 milhões de usuários freqüentam sites de relacionamento no Brasil -impossível saber quantos já estão comprometidos. O que leva alguém que tem namorado a entrar num site de relacionamento? 'Nem sempre a pessoa está pensando em enganar o parceiro', diz Luciana. 'Às vezes, é pura curiosidade. Também pode ser que ela queira testar seu poder de sedução. Ou então melhorar a auto-estima, se sentir desejada de novo.' Para Ailton, a questão é um pouco mais séria. 'É claro que não é todo mundo que entra na internet para trair. Mas entrar em sites de encontro, por exemplo, aumenta a probabilidade disso acontecer.'
Em janeiro de 2004, surgiu outra dor de cabeça na vida dos casais: o Orkut, com cerca de 600 mil usuários no Brasil. Embora o site não tenha um caráter explícito de paquera, é comum gerar ciúmes e desconfianças. Para quem ainda não foi contaminado pela febre, o Orkut é uma espécie de comunidade virtual que reúne pessoas que já se conhecem na vida real. Para entrar no site, é preciso ser convidado por um amigo. Daí ganha uma página pessoal: ali, os amigos podem fazer elogios, deixar recadinhos e fotos. Os problemas costumam acontecer quando um parceiro invade a página do outro.
O designer Leo Fróes, de 28 anos, e a publicitária Marina Moraes, também com 28 anos, tiveram uma pequena briga porque ele decidiu dar uma espiada na página dela e checar o perfil. Entre as três opções -'solteira', 'comprometida' ou 'casada'-, ela assinalou a opção 'solteira'. 'Ele fez o maior escândalo', diz Marina. 'Falou que, se eu não mudasse o meu perfil, ia dizer que era solteiro também. Argumentei que não tinha nada demais, afinal não sou casada mesmo. E, de qualquer jeito, era só um perfil na rede, não era importante.'
Depois de muita conversa, ela concordou em mudar o perfil. Mas o Orkut ainda provoca algumas briguinhas de vez em quando. 'Uma vez vi a foto de uma garota com a barriga de fora na página dele', diz Marina. 'Briguei, queria saber quem era. Mas não faço isso toda hora. Quem é ciumenta na internet é porque já era na vida real. Para mim, se não tem contato físico, não tem traição. Entrar em um chat pode até ser uma saída para esquentar um namoro. Eu não vou, mas não vejo problema nisso.'
O fantasma da ex-namorada assombra os casais que freqüentam a nova comunidade virtual. A nutricionista D.V.*, de 29 anos, ficou muito irritada quando o seu namorado decidiu entrar no site, aceitando o convite de uma ex. 'Ele podia muito bem ter recusado, mas foi logo dizendo sim', diz. 'Quando reclamei, ele disse que estava só sendo educado. Não me convenceu. Sei que é um ciúme bobo, porque ele nunca deu motivo para isso. Mas tanto eu falei que ele resolveu sair. Melhor assim.'
Para algumas pessoas, bisbilhotar a página do outro pode se transformar em obsessão. 'Fui eu que apresentei meu namorado para o Orkut', diz J.M., artista plástica de 35 anos. 'Mas, depois de algum tempo, comecei a ficar obcecada pelo seu scrapbook [seção onde ficam os recados dos amigos], morrendo de ciúmes. Todo dia olhava para ver quem tinha deixado recados -se era mulher, ia na página dela descobrir quem era. No começo, não falei com meu namorado sobre isso. Até que um dia li uma mensagem bem atrevida de uma garota: 'Quero que você me faça feliz com sua arte'. Ele me disse que era bobagem me preocupar com isso. Eu acreditei, mas continuei obcecada.Um dia, lendo os recados, fiquei com tanta raiva que me deu até um nó no estômago. Foi então que decidi parar com aquilo.' Na opinião do psicólogo Ailton Amélio, a traição é sempre uma possibilidade. 'Existe uma crença de que quem ama não trai, mas isso não é verdade. Outra crença é de que quem está numa relação boa não trai. A chance diminui, mas não deixa de existir. Quando você se compromete com alguém, não está prometendo que não vai sentir atração por outras pessoas, pois isso seria impossível. Só se compromete a controlar essa atração.'

Tem quem deixe pistas de propósito porque quer provocar o outro: um jeito de mexer com a rotina e reacender a paixão!

Para alguns casais, a traição tem uma função bem específica, diz Luciana Ruffo. 'Às vezes ela é usada para estimular a relação. Nesse caso, a pessoa deixa pistas, porque no fundo quer que o outro descubra. No Orkut, por exemplo, o usuário pode apagar os recados incriminadores de sua página ou mesmo apagar as mensagens de seu e-mail. Se não faz isso, talvez queira ser pego em flagrante, com a intenção de gerar um atrito e reacender a paixão. Mas esse é um jogo arriscado.'
Nos embalos solitários de sábado à noite, a paquera virtual ferve. Milhares de pessoas entram em sites de encontro, programas de bate-papo ou de mensagens instantâneas. Da conversa leve para o flerte aberto, basta um clique. 'Como as pessoas estão protegidas por um pseudônimo, o papo ganha rapidamente uma conotação sexual', diz Ailton.
A arquiteta S.P.*, de 32 anos, ficou surpresa ao encontrar, na sua caixa de e-mails, uma mensagem com o título 'Para Paulo*' (Paulo era o nome de seu namorado). 'Li a mensagem e ficou claro que era uma paquera. Dei uma prensa e ele confessou: seu computador não estava funcionando, por isso tinha mandado uma mensagem para ela usando a minha conta de e-mail.' Ela, no caso, era uma garota de outra cidade que ele tinha conhecido em um chat. 'Ele falou que era apenas uma brincadeira virtual, nada sério. Mas, a partir do momento em que você começa a falar por e-mail, para mim já é traição.'
Bate-papo, troca de e-mails, conversas telefônicas, encontro pessoal, sexo: na opinião de Luciana Ruffo, cabe ao casal definir em que ponto começa a traição. 'A internet existe como um lugar em que você projeta suas fantasias. Às vezes, até existe uma pessoa real do outro lado, mas ela ainda não tem um toque. Pode ser só um sonho.' Ailton Amélio também acha difícil definir em que ponto a pessoa começa a trair. 'Mas acredito que um envolvimento virtual pode afetar o relacionamento, é um exercício. Uma vez que você trai o parceiro na imaginação, aumenta a chance de trair na vida real.'
A pessoa projeta suas fantasias na internet. Às vezes, até existe alguém real do outro lado, mas tudo pode não passar de um sonho.

Quando já existe um clima de desconfiança na relação, frases digitadas na tela podem se transformar na prova do crime. A assistente de marketing Roberta Serrinha, de 26 anos, acreditava que o seu namorado, Luciano, estava saindo com outra. Para tirar a dúvida, ligou o computador dele de madrugada e entrou no ICQ, um programa de mensagens instantâneas. Daí, leu todas as conversas arquivadas e descobriu que ele estava saindo com uma menina que havia conhecido pela internet. 'Sabia que estava errada ao invadir o computador dele', diz Roberta. 'Mas estava desconfiada, porque ele sempre foi galinha, e tinha uma menina que vivia telefonando. O Luciano dizia que era só alguém que tinha estudado com ele, mas tive a intuição de que era algo mais.' As conversas arquivadas eram comprometedoras: eles falavam sobre as horas maravilhosas que tinham passado juntos e faziam comentários maldosos sobre ela, Roberta. 'O Luciano já estava dormindo, mas tirei ele da cama e disse que tinha descoberto tudo no computador. Ele tentou virar o jogo, falou que ela era só uma amiga. E ainda jogou na cara que eu tinha invadido a sua privacidade.' O namoro acabou logo depois. 'Para mim, traição pela internet é pior do que uma ficada com um desconhecido. Nas relações virtuais há envolvimento emocional, porque as pessoas conversam muito antes de ter um contato físico.'
Não há uma solução rápida e fácil para as crises geradas no universo virtual. 'Quem tem namorado e mesmo assim continua procurando gente nova na internet deve fazer uma avaliação', diz Ailton. 'Essa pessoa precisa perceber que isso não é uma brincadeira e pode ter conseqüências na vida real: a história às vezes escapa do seu controle e ganha vida própria.'
Muita gente procura ajuda profissional para resolver problemas desse tipo. No site do Núcleo de Pesquisa em Psicologia e Informática da PUC, que oferece um serviço de orientação psicológica (clinica@pucsp.br), chegam mensagens aflitas todos os dias. 'São coisas do tipo: meu marido estava conversando com uma mulher no computador, o que eu faço?', conta Luciana. Segundo a psicóloga, cada caso é um caso. 'Mas a primeira providência é conversar com o parceiro, tentar descobrir por que ele está fazendo aquilo. Não quer dizer que você tem que aceitar, mas a conversa pode te ajudar a entender o movimento e descobrir o que há de real por trás do virtual.'

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